Vai-se o canto vão-se as armas
Vai-se o canto vão-se as armas
Não sei se as pedras andam
Mas o meu país é pedra
e anda.
Desloca-se. Foge.
Pula ribeiros nas pernas
do povo.
Salta fronteiras
nas minhas pernas. Rasteja.
Nada. Esconde-se. Atravessa
montanhas. Desaparece.
Disfarça-se. O meu país
deixou de ser país. É
qualquer coisa que caminha.
Que se procura. Saudade
de ser Pátria. País
em
movimento. País sem
chão. Assim cortado
pela raiz o meu país
é feito de dois países:
um é dono o outro não.
Fica o dono e vai-se o outro.
O que se fica tem tudo
o que se vai nada tem:
nem terra para ficar
nem licença para ir.
O meu país não é dono.
Não tem licença de nada.
País clandestino. Pedra
ambulante. Chão que sangra.
Que caminha. Pula
ribeiros. Corre. Derrama-se.
E vai-se com ele a força
a guitarra a pena a foice.
Vai-se o canto. Vão-se as armas.
Manuel Alegre, «O Canto e as Armas», (1967)
in Manuel Alegre. Trinta anos de
poesia,
Publicações D. Quixote. Lisboa, 1995