Bem-vindo ao Blogue das Bibliotecas Escolares do agrupamento da Maia!

segunda-feira, 23 de abril de 2018

"25 de Abril: 44 anos - 44 poemas"

Vai-se o canto vão-se as armas

Vai-se o canto vão-se as armas 
Não sei se as pedras andam 
Mas o meu país é pedra e anda. 
Desloca-se. Foge. 
Pula ribeiros nas pernas do povo. 
Salta fronteiras nas minhas pernas. Rasteja. 
Nada. Esconde-se. Atravessa 
montanhas. Desaparece. 
Disfarça-se. O meu país 
deixou de ser país. É 
qualquer coisa que caminha. 
Que se procura. Saudade 
de ser Pátria. País 
em movimento. País sem 
chão. Assim cortado 
pela raiz o meu país 
é feito de dois países: 
um é dono o outro não. 
Fica o dono e vai-se o outro. 
O que se fica tem tudo 
o que se vai nada tem: 
nem terra para ficar 
nem licença para ir. 

O meu país não é dono. 
Não tem licença de nada. 
País clandestino. Pedra 
ambulante. Chão que sangra. 
Que caminha. Pula 
ribeiros. Corre. Derrama-se. 
E vai-se com ele a força 
a guitarra a pena a foice. 
Vai-se o canto. Vão-se as armas. 

Manuel Alegre, «O Canto e as Armas», (1967) 
in Manuel Alegre. Trinta anos de poesia, 
Publicações D. Quixote. Lisboa, 1995